Síndrome de Stendhal: conheça a condição que deixa pessoas abaladas diante de obras de arte (2024)

“Eu caí numa espécie de êxtase, ao pensar na ideia de estar em Florença, próximo aos grandes homens cujos túmulos eu tinha visto. Absorto na contemplação da beleza sublime… Cheguei ao ponto em que uma pessoa enfrenta sensações celestiais… Tudo falava tão vividamente à minha alma… Ah, se eu tão-somente pudesse esquecer. Eu senti palpitações no coração, o que em Berlim chamam de 'nervos'. A vida foi sugada de mim. Eu caminhava com medo de cair.”

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Assim reagiu o escritor francês Henri-Marie Beyle, cujo pseudônimo era Stendhal, diante da beleza dos afrescos pintados por Giotto di Bondone, na Basílica de Santa Cruz, em Florença, Itália. A partir da experiência emocionante, o romancista publicou a obra “Nápoles e Florença: Uma viagem de Milão a Reggio” em 1817, na qual descreveu os sintomas da condição posteriormente batizada com seu nome: a Síndrome de Stendhal.

Em termos científicos, o distúrbio psicossomático só foi reconhecido mais de um século depois, há 35 anos, em 1989. Mas desde Stendhal, centenas de visitantes declaram sentir os mesmos sintomas.

A síndrome foi identificada como distúrbio pela primeira vez pela psiquiatra florentina Graziella Magherini, em 1989, que escreveu o livro “La Sindrome di Stendhal - Il Malessere del Viaggiatore di Fronte alla Grandezza dell'Arte” (em tradução livre, “A Síndrome de Stendhal: o Mal-Estar do Viajante Diante da Grandeza da Arte”). Apesar disso, muitos médicos desacreditam da existência desta condição temporária.

Magherini estudou 106 pacientes, todos turistas, com sintomas como vertigens, alucinações e despersonalização enquanto observavam o acervo cultural de Florença. A psiquiatra descreveu, em um simpósio em 2019, que as pessoas sofreram “ataques de pânico, causados pelo impacto psicológico das obras de arte e da viagem”.

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Os principais sintomas são taquicardia, sudorese, palpitações, tremores e, em casos mais graves, náuseas e alucinações. Em 87% dos casos, eram pessoas que viajavam sozinhas e sempre para lugares repletos de arte e história, onde "o indivíduo enfrenta um importante teste para sua própria identidade", detalhou a especialista.

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Adultos entre 26 e 40 anos com estresses relacionados à viagem ou ao jet lag (quando o relógio biológico está dessincronizado com o novo fuso horário) são os mais propensos a sofrerem com a síndrome.

A arquiteta paulista Paula Salema, 54 anos, experimentou alguns sintomas durante uma viagem sozinha a Florença. Assim que chegou, foi visitar o Duomo, um complexo arquitetônico e cultural que inclui a Catedral de Santa Maria del Fiore e a cúpula de Brunelleschi, onde lembra de “sentir tontura e uma sensação de pressão baixa”. Ela achou que havia olhado para cima por muito tempo. Na manhã seguinte, a arquiteta foi ver "O Nascimento de Vênus", peça pintada por Botticelli, um sonho de anos, sem imaginar que o incômodo se intensificaria.

– Foi maravilhoso ver tantas obras de perto, mas não me senti bem. Era uma angústia, um mal-estar que foi piorando. Tive um ataque de pânico. À noite, não consegui dormir. Só tive pesadelos. Chorava desesperada ligando para casa. Temi ter que encerrar a viagem. Saía pelas ruas com a impressão de que as paredes grossas de pedra iam me engolir. Não conheci nem metade do que programei, mas gostaria muito de voltar – desabafa.

Após a experiência traumática, Paula relaciona os sintomas de desconforto diante das obras florentinas com a condição.

— Não é como se maravilhar diante de uma obra de arte. Não é igual. São as energias do passado de Florença — avalia a arquiteta.

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Especializada em psicologia transpessoal e psicodrama, a psicóloga Vanessa Franco entende que o impacto artístico leva o ser humano a estabelecer contato com “algo muito maior”, uma vez que as obras de arte têm grande complexidade simbólica.

— No caso de artistas como Leonardo da Vinci e Botticelli, que se tornaram canais de conexão com verdades absolutas e de comunicação com o inconsciente, a gente não consegue usar a razão para interpretar. A cultura ocidental preza a razão, a objetividade e a materialidade, enquanto a complexidade simbólica desses quadros leva as pessoas ao oposto. Isso favorece que o nosso organismo responda e reaja a esse contato mais profundo— explica.

A psicoterapeuta conta que o belo, um importante atributo das artes, toca as pessoas subjetivamente. Acompanhada da contemplação, está um contato com o inconsciente coletivo, onde “moram as verdades de toda a nossa cultura e humanidade”. A partir de uma ótica holística, ela acredita em uma interpretação mais profunda das respostas e reações do corpo.

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A experiência de ter a Síndrome de Stendhal é extremamente individual. O professor de Artes Visuais Emerson Brito, 50 anos, convive há mais de três décadas com a condição e entende que ela é “fantástica”, algo que “só trouxe coisas boas” depois que superou a fase do “medo”. Natural de Santo André, no ABCD paulista, ele expande a Síndrome de Florença para qualquer ambiente capaz de tocá-lo.

— A síndrome se apresentou como um vício. A sensação é tão inebriante que sempre quero senti-la novamente. Percebi que estava viciado. Queria ver e sentir arte em tudo — recorda.

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Após visitar uma igreja barroca, o educador viu o anúncio de um grupo de neuróticos anônimos. Aos 18 anos, desesperado com a “necessidade constante de se conectar” com a expressão artística, decidiu participar de uma sessão. Ele recorda ter chorado no púlpito ao falar do que chamou de “obsessão com a arte”. Brito se deu conta de que a síndrome não era realmente um “problema” para ele. Desde então, sentiu-se bem, pronto para “embarcar no poder divino da arte”.

— Ela melhorou. Ao controlar a emoção, perde-se um pouco também. A sensação de euforia era gostosa e assustadora. Isso se acalmou. A gente perde o medo. A palpitação, a respiração e a euforia deram lugar ao conhecimento — avalia Brito.

A importância do registro de Stendhal, de acordo com as observações de Magherini, “deve-se ao fato de que a história dessas emoções assume um valor simbólico, extensível a uma analogia gigante em diferentes contextos e tempos em que, no entanto, o elemento é a presença do sujeito em um lugar de arte”. A escritora entendia que uma viagem artística é uma jornada da alma. “É algo capaz de despertar um enredo de emoções e sentimentos que, obviamente, nem todos conseguem administrar."

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— Não é uma manifestação comum, como uma síndrome do pânico ou uma doença ligada à ansiedade. Trata-se de um aspecto muito mais ligado a um êxtase cultural – avalia o psiquiatra Leonardo Lessa, diretor médico do Hospital Casa Menssana, no Grajaú, na Zona Norte do Rio.

A Síndrome de Stendhal não está no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- 5) e nem na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).

Vanessa Franco avalia que isso se dá pelas variáveis ambientais. A profissional cita viajantes que se submetem a espaços fechados e desenvolvem quadros de agorafobia (transtorno de ansiedade associado a ambientes desconhecidos) ou turistas que andam muito para contemplar determinadas peças e acabam desidratadas. Ela propõe a perspectiva da síndrome como “profecia realizada", em que há uma ânsia para se deparar com as obras.

Em consonância, a jornalista Thais Isel, 38 anos, guarda memórias positivas da Síndrome de Stendhal. O diferencial da experiência é o conhecimento de sua existência. Antes de viajar para Florença, em março deste ano, a carioca revela ter se preparado para uma conexão com a cultura italiana.

– Você sente a aura e a conexão com o passado. Estar na frente da obra é se conectar com um mundo que não existe mais. Estar na frente do “David” faz pensar nas mãos do artista. Tem as marcas dos equipamentos, das ferramentas que ele utilizou. Dá ansiedade. Uma palpitação.

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Ex-graduanda do curso de Artes Visuais, Thais ressaltou não ter sofrido “nada mais sério do que a palpitação, o choro e a sensação de vertigem”. Ao contrário, ela é bem resolvida com a Síndrome de Florença, já que entende que a condição “permitiu que as lembranças estivessem vivas” até hoje.

O psiquiatra detalha que, em Florença, diante de um cenário cultural intenso, há um arroubo de estímulos sensoriais e de percepções.

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— Esses estímulos certamente mexem com a química cerebral. Em resposta orgânica, são produzidas alterações autonômicas, que a gente não controla.

— No dia que conheci “David”, lembro de ter ficado incrédula. Fiquei hipnotizada. Percorri muitos corredores da Galeria Uffizi, mas a imagem ainda dominava a minha mente. Quando vi a “Medusa”, fiquei extasiada. Senti mais de uma vez a sensação de torpor, de estar fora de mim e de “faltar o ar” — relembrou a educadora Paola Sayão sobre a galeria onde está a pintura “Medusa”, de Caravaggio, e a Academia de Florença, casa da obra de Michelangelo.

A paulista cultivou por anos o sonho de conhecer Florença. Ela planejava fazer viagens rápidas para conhecer as cidades vizinhas de Pisa, Lucca e San Gimignano, mas se sentiu tão impactada pela hiperculturemia (outro nome para a síndrome) que mudou o roteiro. A educadora permaneceu cinco dias na cidade.

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Embora a síndrome tenha surgido em Florença, outros lugares com amplo acervo e repertório cultural também podem afetar turistas "que já têm essa pré-disposição e sensibilidade", segundo a psicóloga.

Alguns destinos do gênero são: Paris, na França, Veneza, na Itália, Barcelona, na Espanha, Atenas, na Grécia, e Edimburgo, na Escócia. Até mesmo destinos no Brasil, repletos de obras artísticas e arquitetônicas, como as cidades de Brumadinho e Ouro Preto, em Minas Gerais, e Recife, em Pernambuco, abalam amantes da arte e da história.

Em uma experiência cultural intensa, Franco recomenda que os viajantes se alimentem e se hidratem, tenham uma boa noite de sono e estejam vestidos adequadamente. Em relação ao perfil de possíveis pacientes, ela destaca pessoas com uma condição interna de se abrir para o lugar mais profundo que a arte pode levar.

* estagiária sob supervisão de Constança Tatsch

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